quinta-feira, 5 de julho de 2007

concluindo..

Este blog se presta a uma pequena discussão dos estudos do arquiteto vienense Camillo Sitte, buscando um panorama geral de sua obra e relações com a atualidade.
Meu objetivo maior com este trabalho era investigar as possibilidades de deixarmos de lado o padrão simétrico e nos lançarmos no traçado orgânico para nossos projetos de cidades, do micro, a casa, ao macro, a metrópole.

Acho que consegui absorver muito desta experiência, e confesso que fiquei um pouco perdida no que publicar ou não, indo a fundo mesmo existem milhões de outras fontes. Porém acredito que tenho atingido o objetivo do trabalho nesta disciplina.
Durante a pesquisa, fui esbarrando em textos que encheram-me de idéias e paralelos.. da Permacultura (Agricultura Permamente) e seus canteiros em formas de mandalas e amebóides nos quais " a vida brota ao redor", já que nada na natureza é organizado de forma ortogonal; da mesa-redonda no EREA Vitória, na qual discutimos sobre as apropriações dos espaços públicos, e por fim, talvez, ao Seminário do NAU, em que na exposição das pesquisas sobre espaços públicos e apropriações, foi marcante a questão de que não basta existir um equipamento próprio ao lazer, há uma série de outros fatores envolvidos que devem ser levados em consideração na ocasião da implantação de projetos para população, e talvez seja essa a grande razão de encontrarmos equipamentos outros improvisados pela cidade a fora.

Agradeço a Prof. Clara Miranda, pelos textos emprestados nesta parte final, sem os quais, uma conclusão seria impossível.

Finalizo com uma frase que para mim sintetiza toda essa experiência sitteana:
"Apesar de todos os obstáculos que se apresentam diante de nós, não tenhamos medo de tentar esse estudo. É precisamente no modo de dispor as cidades que à arte pode, mais que em qualquer outro campo, exercer sua influência, pois assim sua ação educadora se faz sentir a todo instante na alma do povo e não está, como por exemplo nos concertos e nos espetáculos, reservada às classes abastadas da nação. Seria, pois de se esperar que o poder público concedesse à estética da rua toda a importância que ela merece ". Camillo Sitte

final: as propostas.

Nesta parte final da pesquisa, entro na questão das proposições para a reordenação das cidades modernas.

A impressionante correlação com nossos debates atuais, justifica a utilização mais que em voga dos textos de Camillo Sitte.

Françoise Choay divide este capítulo em quatro partes*, as quais sintetizarei agora, concluindo a questão do post anterior (“ quais eram as propostas?”).

Para Sitte, toda cidade, indiferentemente de seu tamanho poderia ter uma “bela e original” praça, numa forma de valorizar ali as construções de seu entorno. Ele diz que o “objetivo dos planos de extensão das cidades consiste em preparar de modo inteligente e possível para este ideal”, porém, se já existem em planta, loteamentos e zoneamentos, será outra grande briga a travar contra o sistema, o poder governamental. Tais lotes já são alvo de especulações imobiliárias, e para ele, um bairro planejado desta forma, não pode fugir do vulgar.
Um ponto interessantíssimo deste parágrafo é a questão da impessoalidade das cidades modernas. São pouquíssimos os casos de pessoas que ainda possuem laços firmes com a vizinhança que habita (meu caso particular, de um edifício de quatro andares, mal conheço dois condôminos). Já naquela época, Sitte descreve esse tipo de planejamento “impessoal” e “travado”: “o homem não se vincula ao local e não adquire nenhum sentimento de lar, como pudemos realmente constatar entre os habitantes de cidades enfadonhas e construídas sem arte”.

Sobre os planos de extensão para as cidades, Sitte se mostra muito avançado para a época. Para F. Choay, Le Corbusier e os progressistas, em suas duras críticas ao arquiteto chamado de “retrógrado”, não lhe fizeram justiça.
Sitte diz que a questão principal de tais planos é tratar a cidade também como obra de arte, e não simplesmente um apanhado de construções e vias. Para isso, elabora um complexo método capaz de prever a ampliação dos espaços urbanos, o qual cito resumidamente a seguir:

“Num cálculo aproximado do crescimento previsível da população do bairro projetado durante os cinqüenta anos que se seguirão e num estudo da circulação e do gênero de habitações a ser previsto, convém saber antecipadamente onde serão levantadas as casas de aluguel, os palacetes e os edifícios destinados ao comércio e à indústria, (...). Os que fazem objeção a esse modo de agir com o argumento da impossibilidade de estabelecer essas previsões com uma exatidão mais ou menos aproximada, procuram evitar, com subterfúgios, um trabalho e uma responsabilidade sem dúvida consideráveis.”
“Munido das informações indispensáveis que acabamos de enumerar, o autor de um plano de extensão pode então prever o número de construções públicas necessárias ao bairro projetado, como também suas dimensões e forma aproximadas (...). Do número suposto da futura população, deduziremos o número e a amplitude das igrejas, das escolas, prédios administrativos, dos mercados, dos jardins públicos e talvez até das salas de espetáculo”.



Está aí uma das partes que considero assustadoramente atuais, similar ao trabalho desenvolvido por Celson Ferrari em seu Dicionário de Urbanismo, no qual o autor faz referência à distância e à quantidade de escolas, prédios públicos, entre outros aspectos, necessários a cada situação urbana e seu planejamento, mostrando que dentro do meio acadêmico pouco temos acesso e sabemos sobre esse tipo de estudo.
A partir da união de todos estes dados, se daria a elaboração do plano propriamente dito, que englobaria também, a posição de praças e áreas verdes, dando ênfase ao caráter peculiar de cada uma delas, sem nunca “dispersá-las por toda parte”.
Há em dado momento do livro, uma preocupação também com a ordenação simétrica e monótona da vegetação (elementos arbustivos, árvores) e arquitetura ( esculturas, monumentos ) no desenho da cidade. Para Sitte, a escolha ideal para a locação destes elementos deveria ser intuitiva e artística, retomando mais uma vez as influências antigas.


As fotos acima descrevem exemplos da ornamentação lateral a qual Sitte faz referência ( na ordem: Fonte dos Inocentes, Paris; Palazzo Vecchio, Florença; e Piazza Farnese, Roma) e diz que em determinadas praças a posição de estatuas “deslocadas” à priori pode parecer estranha, mas ao se ambientar com o local, o observador/transeunte percebe que aquele elemento , posto no meio de uma praça, isolado, perderia totalmente seu significado e majestuosidade.

Por fim, Sitte fala da importância de se conservar as irregularidades. Parece que há, e já parecia então, haver uma tendência à supressão de tais aspectos nas cidades. As construções já eram pensadas sobre uma malha ortogonal, os cursos de rios eram desviados para obter tal “banal simetria”. Sobre este ponto, Sitte é enfático “É graças às curvas e aos cortes de suas artérias que a violência do vento é menos sensível nas cidades antigas”. E conclui, dizendo que “De qualquer ângulo que se encare o problema da construção de cidades, conclui-se que foi estudado, em nossos dias, muito superficialmente. (...) Para conseguir soluções práticas, é preciso agir com energia e perseverança, pois se trata nada menos do que abolir completamente os princípios vigentes e de substituí-los por métodos precisamente contrários”.

Em poucas palavras, para toda mudança, é necessário uma ruptura. E nós modernos sabemos bem como é difícil lidar com tamanha renúncia.


* Todos os trechos entre aspas foram retirados do livro O Urbanismo, já referenciado anteriormente.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

A rua, a praça, a cidade e o homem.

Aproveito a estrutura em tópicos do livro de F. Choay para analizar a obra de Camillo Sitte.


“Aristóteles resumiu todos os princípios da construção das cidades nesta sentença: "Uma cidade deve ser construída de modo a proporcionar a seus habitantes segurança e felicidade."” ¹

Além da “cidade para o cidadão”, existia, para Sitte, um “problema estético” que deveria ser trabalhado, e que jamais poderia ser resolvido somente com um saber técnico. Suas experiências com modelos da Antigüidade e Renascença não foram escolhidas ao caso. Há algo ali que deu certo, e que podia ser provado. Ele entra assim, como um defensor dos monumentos históricos e das pré-existências dos locais em futura expansão. Este estudo do passado foi norteador do seu trabalho, e justifica seus pensamentos para a ordenação das cidades: os espaços públicos, fluxos, permanências e apropriações.

Há primeiro, a questão sanitarista que muito incomodava o arquiteto vienense: a modernidade trouxe o avanço da medicina, a descoberta de novas doenças, e fez com que as cidades tivessem que abrigar uma nova infra-estrututura com ênfase à higiene e saúde, comprometendo assim, o desenho orgânico das cidades. Sitte comprou briga com os planificadores alemães também na questão dos traçados das ruas. Já que a cidade só é percebida em fragmentos por aqueles que nela transitam, as ruas deveriam ser nada mais que um reflexo disso. E portanto, preconizou em plena era da “ epidemia do padrão simétrico” as formas livres, as ruas com visual interrompido, as esquinas quebradas, o organicismo do desenho urbano, enfurecendo os engenheiros em questão.

“O que Sitte trata em seu livro é de fato, a primeira fase da transformação de Viena, aproximadamente até 1980. A fase seguinte denominou-se ” segundo renascimento vienense”. A terceira e última fase do planejamento ocorreu após 1904, sob o domínio das idéias de Otto Wagner, para quem a rua foi a rainha, a artéria dos homens em movimento. Para ele, a praça serviria mais como meta da rua, dando direção e orientação aos transeuntes. O estilo, a paisagem, todos os elementos pelos quais Sitte procurava a variedade e o pinturesco na luta contra a anomia moderna, Otto Wagner empregou-as basicamente para reforçar o poder da rua e sua trajetória temporal.” ³

Em segundo lugar, Sitte estava convencido de que a beleza das praças antigas se devia ao fato de terem sido projetadas para descrever um espaço para a vida pública. Mais uma vez, provava que a funcionalidade poderia andar ao lado da beleza”, e sobretudo, a atração pelo enigma resolvido de um espaço capaz de conjugar interioridade e exterioridade, ao mesmo tempo, aberto e fechado”². Como a extensão de sua casa.

Já naquela época, nada poderia ser feito para combater a modernidade: se as notícias não são mais gritadas por arautos e sim, lidas facilmente em jornais, se as praças não são mais pontos de encontro para se debater política, se as fontes só possuem agora valores decorativos e se as esculturas saem das ruas e trancam-se em museus. Sitte dizia: “ não podemos mudar esta situação e o construtor de cidades, assim como o arquiteto, deve traçar seus planos na escala das capitais modernas de vários milhões de habitantes”.

Então, quais eram as propostas?







¹. Frase de Camillo Sitte em A construção das cidades segundo seus princípios artísticos.
². Trecho retirado do texto de Rosangela Maria dos Santos, Camillo Sitte: A importância de suas idéias na atual prática profissional da arquitetura e do planejamento urbano.
³. Idem.

um pouco sobre Otto Wagner

Antes de prosseguir com a segunda etapa deste trabalho, que será uma breve análise sobre os pontos principais do trabalho de Sitte, gostaria de falar um pouco sobre uma coisa que chamou bastante a minha atenção nesta pesquisa: o fato de um trecho do livro O Urbanismo, de Françoise Choay ter sido repetido inúmeras vezes em diferentes textos e fontes. Eu mesma também o utilizei como base, na época do primeiro post, ao observar tal fato.

Choay, descreve o livro Der Stätdebau nach seinen kunstlerischen Gründsätzen, de Sitte: " Esta obra de inspiração essencialmente estetizante, estava destinada a polemizar contra as transformações de Viena e o planejamento do Ring segundo os princípios haussmanianos. No entanto, não teve efeito sobre o destino urbanístico da capital austríaca e as concepções de O. Wagner".

Hoje, especialmente, tive a feliz experiência de encontrar um site sobre Otto Wagner, intitulado Wagner Werk, com fotos antigas de Viena bastante interessantes, que acho eu, poderão complementar um pouco mais este trabalho.




Mas como falar de Wagner, sem antes saber um pouco de sua vida?

The Austrian Postal Savings Bank and the architect Otto Wagner *

Otto Wagner nasceu em 13 de Julho 1841, e teve uma criação nos padrões burgueses. Estudou até os dezesseis anos no Instituto Politécnico de Viena, procedendo para a Königliche Bauakademie em Berlim. Em 1861, já com vinte anos, retornou a Viena, onde terminou seus estudos na Academia de Belas Artes. Depois de deixar a Academia, trabalhou no estúdio de Ludwig von Förster, o arquiteto do Ringstrasse, onde assumiu uma função executiva desde o início.

Em 1890, Wagner publicou o primeiro volume de “Some Drafts,Projects and Executed buildings, (traduzido livremente como Alguns rascunhos, projetos e construções executadas), considerado o trabalho mais importante do arquiteto nesta época. Em 1883, recebe um dos dois primeiros prêmios do concurso para o novo “ plano geral regulador “ ( talvez o nosso PDU) de Viena. Posteriormente, se tornou conselheiro da Comissão Vienense de Transporte e da Comissão para a regulamentação do Canal de Danúbio, em questões de arte.

Seus principais trabalhos datam de 1900, dentre eles o Postal Savings Banks (foto acima, à esquerda e desenhos abaixo) e a Igreja de Steinhof. As críticas vigorosas lançadas por grupos conservadores são atribuídas ao sucesso destas construções, porém muitos de seus futuros projetos, como o Museu Municipal Imperador Francis Joseph, a nova Academia de Belas Artes, os Ministérios da Guerra e do Comércio, não foram realizados.

Nos últimos anos da 1ª Guerra Mundial, Wagner projetou hospitais e abrigos para soldados. Faleceu em 11 de abril de 1918.





*Este texto é uma tradução livre e resumida feita por mim, a partir do original encontrado no site citado anteriormente.


quinta-feira, 31 de maio de 2007

quadrinhos


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quarta-feira, 30 de maio de 2007

Sobre Sitte


Camillo Sitte (1843-1903), arquiteto, pintor, teórico urbano, filho de Franz Sitte, também arquiteto de renome, nasceu e morreu em Viena. Atuou como principal questionador das obras de um dos mais visitados pontos turísticos de sua terra natal: o Ringstrasse. A obra iniciou-se por volta de 1850, com o objetivo de substituir as antigas muralhas da época da ocupação turca. Tais muralhas se tornaram obsoletas com o passar do tempo, e se transformaram em um gigante anel povoado por construções importantes para a cidade de Viena, como o Parlamento, a Prefeitura, a Ópera de Viena, museus, entre outros.
A correspondência do tema com a atualidade é inevitável e surpreendente. O desenho urbano e seu planejamento (Städtebau) é assunto mais que na ordem do dia, já que a cada expansão ou alteração na cidade, surgem novas demandas de requalificação de espaços e reterritorializações.

Estes movimentos foram estudados por Sitte com uma sensibilidade além da observada na época: era o tempo dos longos boulevards ( foto à esquerda a Av. Champs Elysées, em Paris) de Haussmann em Paris, que multiplicavam-se por outros países europeus e também nos Estados Unidos, e da ortogonalidade e sanitarismo muito utilizados por Saturnino de Britto no Brasil.
Ao contrário da maior parte de seus contemporâneos, Sitte acreditava serem os espaços verdadeiros “agrupamentos cheios de peculiaridades”, e seus avanços, recuos, prédios históricos, ou seja, todas as “pré-existências” deveriam ser consideradas, antes de i
ntervir nestes locais.

É por estas e outras razões que seu livro A construção urbana segundo seus princípios artísticos, é na verdade um guia ilustrado do que ele acreditava ser o correto para o planejamento do traçado urbano de Viena. Boa parte de sua pesquisa volta às cidades antigas para entender seu funcionamento, questionar seus vazios, a estátua solitária no centro das praças e suas dimensões, os fluxos de pessoas e veículos, e a relação entre edifícios e monumentos. Ao propor o valor estético aliado à questões funcionais, sempre considerando a arte como princípio norteador, Sitte propõe também um redescobrimento das paisagens urbanas, de Viena, e também de qualquer outra cidade. Um olhar surpreso ao encontrar beleza e “poesias concretas em suas esquinas”.
Apesar de ter sido inspiração para teóricos mais adiante, e de ser considerado atualmente leitura obrigatória para os estudiosos de urbanismo, seus esforços não surtiram efeito sobre a capital austríaca, porém Sitte perfaz uma gama de pesquisas aprofundadas sobre o desenho da cidade, ao contrário do que era pensado na época, como pretendo descrever com mais detalhes na segunda etapa deste ensaio.


Vista de satélite atual e em planta; Piazza di San Marco, Veneza.




Salsburgo, foto e planta.



domingo, 27 de maio de 2007