quinta-feira, 5 de julho de 2007

final: as propostas.

Nesta parte final da pesquisa, entro na questão das proposições para a reordenação das cidades modernas.

A impressionante correlação com nossos debates atuais, justifica a utilização mais que em voga dos textos de Camillo Sitte.

Françoise Choay divide este capítulo em quatro partes*, as quais sintetizarei agora, concluindo a questão do post anterior (“ quais eram as propostas?”).

Para Sitte, toda cidade, indiferentemente de seu tamanho poderia ter uma “bela e original” praça, numa forma de valorizar ali as construções de seu entorno. Ele diz que o “objetivo dos planos de extensão das cidades consiste em preparar de modo inteligente e possível para este ideal”, porém, se já existem em planta, loteamentos e zoneamentos, será outra grande briga a travar contra o sistema, o poder governamental. Tais lotes já são alvo de especulações imobiliárias, e para ele, um bairro planejado desta forma, não pode fugir do vulgar.
Um ponto interessantíssimo deste parágrafo é a questão da impessoalidade das cidades modernas. São pouquíssimos os casos de pessoas que ainda possuem laços firmes com a vizinhança que habita (meu caso particular, de um edifício de quatro andares, mal conheço dois condôminos). Já naquela época, Sitte descreve esse tipo de planejamento “impessoal” e “travado”: “o homem não se vincula ao local e não adquire nenhum sentimento de lar, como pudemos realmente constatar entre os habitantes de cidades enfadonhas e construídas sem arte”.

Sobre os planos de extensão para as cidades, Sitte se mostra muito avançado para a época. Para F. Choay, Le Corbusier e os progressistas, em suas duras críticas ao arquiteto chamado de “retrógrado”, não lhe fizeram justiça.
Sitte diz que a questão principal de tais planos é tratar a cidade também como obra de arte, e não simplesmente um apanhado de construções e vias. Para isso, elabora um complexo método capaz de prever a ampliação dos espaços urbanos, o qual cito resumidamente a seguir:

“Num cálculo aproximado do crescimento previsível da população do bairro projetado durante os cinqüenta anos que se seguirão e num estudo da circulação e do gênero de habitações a ser previsto, convém saber antecipadamente onde serão levantadas as casas de aluguel, os palacetes e os edifícios destinados ao comércio e à indústria, (...). Os que fazem objeção a esse modo de agir com o argumento da impossibilidade de estabelecer essas previsões com uma exatidão mais ou menos aproximada, procuram evitar, com subterfúgios, um trabalho e uma responsabilidade sem dúvida consideráveis.”
“Munido das informações indispensáveis que acabamos de enumerar, o autor de um plano de extensão pode então prever o número de construções públicas necessárias ao bairro projetado, como também suas dimensões e forma aproximadas (...). Do número suposto da futura população, deduziremos o número e a amplitude das igrejas, das escolas, prédios administrativos, dos mercados, dos jardins públicos e talvez até das salas de espetáculo”.



Está aí uma das partes que considero assustadoramente atuais, similar ao trabalho desenvolvido por Celson Ferrari em seu Dicionário de Urbanismo, no qual o autor faz referência à distância e à quantidade de escolas, prédios públicos, entre outros aspectos, necessários a cada situação urbana e seu planejamento, mostrando que dentro do meio acadêmico pouco temos acesso e sabemos sobre esse tipo de estudo.
A partir da união de todos estes dados, se daria a elaboração do plano propriamente dito, que englobaria também, a posição de praças e áreas verdes, dando ênfase ao caráter peculiar de cada uma delas, sem nunca “dispersá-las por toda parte”.
Há em dado momento do livro, uma preocupação também com a ordenação simétrica e monótona da vegetação (elementos arbustivos, árvores) e arquitetura ( esculturas, monumentos ) no desenho da cidade. Para Sitte, a escolha ideal para a locação destes elementos deveria ser intuitiva e artística, retomando mais uma vez as influências antigas.


As fotos acima descrevem exemplos da ornamentação lateral a qual Sitte faz referência ( na ordem: Fonte dos Inocentes, Paris; Palazzo Vecchio, Florença; e Piazza Farnese, Roma) e diz que em determinadas praças a posição de estatuas “deslocadas” à priori pode parecer estranha, mas ao se ambientar com o local, o observador/transeunte percebe que aquele elemento , posto no meio de uma praça, isolado, perderia totalmente seu significado e majestuosidade.

Por fim, Sitte fala da importância de se conservar as irregularidades. Parece que há, e já parecia então, haver uma tendência à supressão de tais aspectos nas cidades. As construções já eram pensadas sobre uma malha ortogonal, os cursos de rios eram desviados para obter tal “banal simetria”. Sobre este ponto, Sitte é enfático “É graças às curvas e aos cortes de suas artérias que a violência do vento é menos sensível nas cidades antigas”. E conclui, dizendo que “De qualquer ângulo que se encare o problema da construção de cidades, conclui-se que foi estudado, em nossos dias, muito superficialmente. (...) Para conseguir soluções práticas, é preciso agir com energia e perseverança, pois se trata nada menos do que abolir completamente os princípios vigentes e de substituí-los por métodos precisamente contrários”.

Em poucas palavras, para toda mudança, é necessário uma ruptura. E nós modernos sabemos bem como é difícil lidar com tamanha renúncia.


* Todos os trechos entre aspas foram retirados do livro O Urbanismo, já referenciado anteriormente.

Um comentário: